quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Um teólogo escreve ao Papa: Há um caos na Igreja, e o senhor é uma causa


1º de novembro de 2017– Thomas G. Weinandy é um dos teólogos mais conhecidos. Vive em Washington, no Seminário dos Capuchinhos, a ordem franciscana à qual pertence. É membro da Comissão Teológica Internacional, a comissão que Paulo VI colocou ao lado da Congregação para a Doutrina da Fé para que pudesse se valer dos melhores teólogos de todo o mundo. É membro desta comissão desde 2014, o que significa que foi nomeado pelo Papa Francisco.

No último mês de maio, enquanto estava em Roma para uma sessão da comissão, surgiu a ideia de escreveu a Francisco uma carta aberta para lhe confiar a inquietude, não só sua, mas de muitos fiéis, pelo crescente caos que há na Igreja, que considera ser causado, em boa parte, pelo próprio Papa.
Rezou muito, inclusive no túmulo de Pedro. Pediu a Jesus que lhe ajudasse a decidir escrever ou não a carta e que lhe desse um sinal… E ele chegou um dia depois, conforme o que havia pedido na oração, e que agora relata da seguinte forma:
Ao ter sido confortado pelo céu, o padre Weinandy decidiu escrever a carta. Em meados do verão passado, enviou-a ao Papa Francisco. E hoje, festa de Todos os Santos, torna-a pública no portal americano de informação religiosa Crux e imediatamente depois, em Roma, em quatro idiomas, em Settimo Cielo.
Padre Weinandy, de 71 anos, lecionou nos Estados Unidos em diversas universidades, em Oxford durante doze anos e em Roma na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Foi, durante nove anos, diretor executivo do Secretariado para a Doutrina da Conferência Episcopal Norte-americana.

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Santidade,


Escrevo esta carta com amor pela Igreja e sincero respeito pela vossa cátedra. Sois o vigário de Cristo na terra, o pastor do Seu rebanho, o sucessor de São Pedro e, portanto, a rocha sobre a qual Cristo irá construir a sua Igreja. Todos os católicos, clérigos e leigos, devem olhar para vós com lealdade e obediência filial fundamentadas na verdade. A Igreja volta-se para vós num espírito de fé, com a esperança de que vós a guieis no amor.
           
No entanto, Vossa Santidade, uma confusão cronica parece marcar o vosso pontificado. A luz da fé, da esperança e do amor não está ausente, mas muitas vezes é obscurecida pela ambiguidade das vossas palavras e ações. Isto promove entre os fiéis um crescente desconforto. Compromete sua capacidade de amar, a sua alegria e a sua paz. Permiti que eu ofereça alguns exemplos breves.
           
Primeiro, há o discutido Capítulo 8 de Amoris Laetitia. Não necessito compartilhar as minhas próprias preocupações sobre o seu conteúdo. Outros, não só teólogos, mas também cardeais e bispos, já o fizeram. A principal fonte de preocupação é a forma do vosso magistério. Em Amoris Laetitia, as vossas orientações parecem por vezes intencionalmente ambíguas, convidando tanto uma interpretação tradicional do magistério católico sobre o casamento e o divórcio, como também uma interpretação que pode implicar uma mudança nesse magistério.


Como vós observais sabiamente, os pastores devem acompanhar e encorajar pessoas em ‘casamentos’ irregulares; mas a ambiguidade persiste sobre o que realmente significa esse "acompanhamento". Ensinar com uma aparentemente intencional falta de clareza inevitavelmente corre o risco de pecar contra o Espírito Santo, o Espírito da verdade. O Espírito Santo é dado à Igreja, e particularmente a vós mesmo, para dissipar o erro e não para o promover. Mais, somente onde existe a verdade pode haver amor autêntico, pois a verdade é a luz que liberta mulheres e homens da cegueira do pecado, uma escuridão que mata a vida da alma.

No entanto, vós pareceis censurar e até mesmo zombar dos que interpretam o Capítulo 8 de Amoris Laetitia de acordo com a tradição da Igreja [apelidando-os de] lançadores de pedras farisaicos que encarnam um rigorismo implacável. Esse tipo de calúnia é estranho à natureza do ministério petrino. Alguns dos vossos conselheiros parecem lamentavelmente envolver-se em ações semelhantes. Esse comportamento dá a impressão de que os vossos pontos de vista não podem sobreviver ao escrutínio teológico e, portanto, devem ser sustentados por argumentos ad hominem.     
Em segundo lugar, muitas vezes o vosso comportamento parece diminuir a importância da doutrina da Igreja. Uma e outra vez, vós retratais a doutrina como morta e livresca, e longe das preocupações pastorais da vida quotidiana. Os vossos críticos foram acusados, nas vossas próprias palavras, de fazer da doutrina uma ideologia. Mas é precisamente a doutrina cristã - incluindo as cuidadas distinções feitas em relação a crenças centrais como a natureza trinitária de Deus; a natureza e o fim da Igreja; a Encarnação; a redenção; e os sacramentos - que liberta as pessoas das ideologias mundanas e assegura que eles estão realmente a pregar e ensinar o autêntico Evangelho que dá vida. Aqueles que desvalorizam as doutrinas da Igreja separam-se de Jesus, o autor da verdade. O que eles possuem, e apenas podem possuir, é uma ideologia - que está em conformidade com o mundo do pecado e da morte.


Em terceiro lugar, os católicos fiéis só podem ficar desconcertados perante a escolha de alguns bispos, homens que parecem não apenas abertos àqueles defendem pontos de vista contrários às crenças cristãs, mas que os apoiam e até defendem. O que escandaliza os crentes, e até alguns bispos, não é apenas o facto de que vós designastes estes homens para serem pastores da Igreja, mas que pareceis permanecer em silêncio perante o seu magistério e práticas pastorais. Isto enfraquece o zelo das muitas mulheres e homens que defenderam os autênticos ensinamentos católicos durante longos períodos de tempo, muitas vezes arriscando a sua própria reputação e bem-estar. Como resultado, muitos dos fiéis, que incorporam o sensus fidelium, estão a perder a confiança no seu pastor supremo.

Em quarto lugar, a Igreja é um corpo, o corpo místico de Cristo, e vós fostes investido pelo Senhor da obrigação de promover e fortalecer a sua unidade. Mas as vossas ações e palavras muitas vezes parecem ter o objetivo de fazer o contrário. Encorajar uma forma de "sinodalidade" que permite e promove várias opções doutrinais e morais dentro da Igreja só poderá levar a maior confusão teológica e pastoral. Essa sinodalidade é imprudente e, na prática, funciona contra a união colegial entre os bispos.

Santo Padre, isto leva-me à minha última preocupação. Muitas vezes falastes sobre a necessidade de transparência dentro da Igreja. Vós frequentemente encorajastes, particularmente durante os dois últimos sínodos, todas as pessoas, especialmente os bispos, a expressarem as suas opiniões sem medo do que o papa possa pensar. Mas haveis reparado que a maioria dos bispos de todo o mundo tem permanecido em silêncio? Por que razão isto acontece? Os bispos aprendem depressa, e o que muitos aprenderam durante o vosso pontificado não é que vós estais aberto a críticas, mas antes que vos ressentis delas. Muitos bispos permanecem em silêncio porque desejam ser leais para convosco e, portanto, não expressam - pelo menos publicamente; em particular, é outra questão - as preocupações que o vosso pontificado suscita. Muitos temem que se expressarem as suas opiniões serão marginalizados ou pior.

Muitas vezes perguntei a mim próprio: "Por que razão permitiu Jesus que tudo isto acontecesse?" A única resposta que me vem à mente é que Jesus quer manifestar quão fraca é a fé de muitos dentro da Igreja, mesmo entre demasiados dos seus bispos. Ironicamente, o vosso pontificado deu aos que têm visões teológicas e pastorais prejudiciais a licença e a confiança para trazer à luz a sua escuridão anteriormente escondida. Ao reconhecer esta escuridão, a Igreja precisará humildemente de se renovar, e assim continuar a crescer em santidade.

Santo Padre, rezo por vós constantemente e continuarei a fazê-lo. Que o Espírito Santo vos conduza à luz da verdade e à vida de amor para que possais dissipar a escuridão que agora esconde a beleza da Igreja de Jesus.

Sinceramente em Cristo,
Thomas G. Weinandy, O.F.M., Cap.

FONTE: http://magister.blogautore.espresso.repubblica.it/2017/11/01/un-teologo-escribe-al-papa-hay-caos-en-la-iglesia-y-usted-es-una-causa/

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