segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Cardeal Caffarra sobre Casamento, Família, Amoris Laetitia, e confusão na Igreja.

Entrevista exclusiva com o cardeal Carlo Caffara, conduzido pelo Dr. Maike Hickson de OnePeterFive. Cardeal Caffarra é arcebispo emérito de Bolonha e ex-membro do Conselho Pontifício para a Família. Foi em uma carta ao Cardeal Caffarra que a Irmã Lúcia de Fátima revelou que " a batalha final entre o Senhor eo reino de Satanás será sobre o casamento e a família ."


Maike Hickson (MH): O senhor falou, em uma entrevista recente, sobre a exortação papal Amoris Laetitia, e o senhor disse que especialmente o capítulo 8 não é claro e já tem causado confusão mesmo entre os bispos. Se o senhor tivesse a oportunidade de falar com o Papa Francisco sobre essa matéria, o que o senhor diria a ele? Qual seria sua recomendação sobre o que o Papa Francisco poderia e deveria fazer agora, dado que há tanta confusão?
Cardeal Caffarra (CC): Na Amoris Laetitia [308] o Santo Padre Francisco escreve: “Eu entendo aqueles que preferem um cuidado pastoral mais rigoroso que não deixa espaço para confusão.” Eu concluo dessas palavras que Sua Santidade percebe que os ensinamentos da Exortação levantariam confusão à Igreja. Pessoalmente, desejo – e que é como tantos dos meus irmãos em Cristo (cardeais, bispos, e os fiéis leigos igualmente) também pensam – que a confusão deveria ser removida, não porque eu prefiro um cuidado pastoral mais rigoroso, mas porque, em vez disso, eu simplesmente prefiro um cuidado pastoral mais claro e menos ambíguo. Isso dito –  com todo o devido respeito, afeição e devoção que sinto a necessidade de manter para com o Santo Padre –  eu diria a ele: “Santidade, por favor esclareça estes pontos. a) Quanto do que Vossa Santidade disse na nota de rodapé 351, do parágrafo 305, também é aplicável aos casais divorciados e recasados que desejam ainda de alguma maneira continuar a viver como marido e mulher; e assim quanto do que foi ensinado pela Familiaris Consortio No. 84, pela Reconciliatio Poenitentia No. 34, pela Sacramenttum unitatis No. 29, pelo Catecismo da Igreja Católica No. 1650, e pela doutrina teológica comum, deve ser considerado agora abrogado? b) O constante ensinamento da Igreja – como foi também recentemente reiterado na Veritatis splendor, No. 79 – é que há normas de moral negativa que não permitem exceções, porque elas proíbem atos que são intrinsecamente desonrosos e desonestos – tais como, por exemplo, o adultério. Esse ensinamento tradicional ainda se acredita ser verdadeiro, mesmo após a Amoris Laetitia?” Isso é o que eu diria ao Santo Padre. 
Se o Santo Padre, em seu supremo julgamento, tiver a intenção de intervir publicamente para remover essa confusão, ele tem à sua disposição muitos meios diferentes de fazer isso.

MH: O senhor é um teólogo moral. Qual o seu conselho para os católicos confusos a respeito do ensinamento moral da Igreja Católica sobre o matrimônio e a família? Como deve agir uma consciência magisterialmente (lit. authoritatively) bem formada quando ela se depara com questões como contracepção, divórcio e “recasamento”, bem como a homossexualidade?
CC: A condição na qual o próprio matrimônio se encontra hoje no Ocidente é simplesmente trágica. Leis civis mudaram a definição, porque elas erradicaram a dimensão biológica da pessoa humana. Elas separaram a biologia da geração da genealogia da pessoa. Mas, devo falar sobre isso mais tarde.  Para os fiéis católicos que estão confusos sobre a Doutrina da Fé a respeito do matrimônio, eu simplesmente digo: “Leia e medite sobre o Catecismo da Igreja Católica nn.1601-1666. E quando você ouvir alguém conversar sobre casamento – mesmo se (isso for) feito por padres, bispos, cardeais – e você então verificar que não está em conformidade com o Catecismo, não os ouça. Eles são cegos guiando cegos.”

MH: O senhor poderia nos explicar, nesse contexto, a concepção moral de que nada que é ambíguo vincula a consciência católica, e especialmente então quando está provado ser intencionalmente ambíguo?
CC: A lógica nos ensina que uma proposição é ambígua quando pode ser interpretada em dois significados diferentes e/ou contrários. É óbvio que tal proposição não pode ter nem nosso assentimento teórico nem nosso assentimento prático, porque não tem um significado certo e claro.

MH: Para ajudar os católicos neste tempo de tanto equívoco ambíguo e “reserva mental”, haveria algo que o Papa Pio XII poderia ainda especialmente ensinar-nos, com respeito a questões de matrimônio e divórcio, e sobre a formação das criancinhas para a Vida Eterna, uma vez que se tem escrito tão amplamente sobre essas matérias?
CC: O Magistério de Pio XII sobre o matrimônio e a criação dos filhos era muito rico e freqüente. E com efeito, depois da Sagrada Escritura, ele é o autor mais citado pelo Vaticano II. Parece-me que há dois discursos que são particularmente importantes para responder à sua questão. O primeiro é a “Rádio Mensagem sobre a correta formação de uma consciência cristã na juventude,” 23 de março de 1952, in AAS vol. 44, 270-278. A segunda é a “Allocution to the Fédération Mondiale des Jeunesses Feminines Catholiques,” (n.t. Alocução à Federação Mundial da Juventude Feminina Católica) ibid. 413-419. Essa carta é de grande importância magisterial, pois ela trata de situações éticas.

MH: O jesuíta alemão padre Klaus Mertes, disse em uma entrevista a um jornal alemão que a Igreja Católica “deveria agora ajudar a estabelecer um direito humano à homossexualidade.” Qual deveria ser a resposta adequada da Igreja a tal proposta? Inclusive a sanção disciplinar adequada, bem como a doutrina moral.
CC: Eu honestamente não posso entender como um teólogo católico pode pensar e escrever sobre um direito humano à homossexualidade. No sentido preciso, um direito (individual) é uma faculdade moralmente legítima e legalmente protegida para realizar uma ação. O exercício da homossexualidade é inerentemente irracional e portanto desonesto. Um teólogo católico não pode – não deve – pensar que a Igreja tem de lutar para “estabelecer um direito humano à homossexualidade.”

MH: Mais fundamentalmente, em que medida os homens devem ter um direito humano – p. ex., um clamor por justiça – para fazer o que é errado aos olhos de Deus, tal como, por exemplo, praticar a poligamia?
CC: A questão dos direitos individuais agora mudou substancialmente em seu significado. Ela identifica o direito com seus próprios desejos. Mas, não temos aqui o espaço para abordar essa questão do ponto de vista do legislador humano.

MH: Uma vez que o Padre Mertes enfatizou em sua entrevista a importância de separar a procriação do matrimônio para tornar o caminho livre para a homossexualidade – o senhor poderia explicar-nos o ensino moral tradicional da Igreja sobre os fins ordenados do matrimônio e o primado da procriação e educação das crianças para o Céu? Por que a procriação é um propósito tão importante do matrimônio? Por que não poderia ser que o amor mútuo e o respeito entre os casais viesse primeiro e tomasse a precedência? O senhor vê as conseqüências práticas se são invertidos os fins do matrimônio – principalmente, se se põe o amor mútuo e o respeito acima da procriação dos filhos para o Céu?
CC: Eu preferiria dar uma resposta sintética às três questões colocadas nessas duas [perguntas anteriores]. Elas de fato tocam em uma grande questão que é de fundamental importância para a vida da Igreja e da sociedade civil. O relacionamento entre os aspectos de amor conjugal de um lado, e da procriação e educação de crianças por outro, é uma correlação, diriam os filósofos. Que quer dizer: é um relacionamento de interdependência entre duas realidades distintas. O amor conjugal que está sendo sexualmente expresso quando os dois esposos se tornam uma só carne no único local eticamente digno para dar vida a uma nova pessoa humana. A capacidade para dar vida a uma nova pessoa humana está inscrita no exercício da sexualidade conjugal, que é a linguagem esponsal de recíproco doar-se através dos esposos. Em resumo: conjugalidade e dom da vida são inseparáveis.
O que aconteceu especialmente após o Concílio? Contra o ensinamento do próprio Concílio, insistiu-se tanto no amor conjugal, que se considerou a procriação meramente sendo a conseqüência colateral do ato de amor conjugal. O Bem-aventurado Paulo VI corrigiu semelhante visão na encíclica Humanae Vitae julgando-a contrária à reta razão e à fé da Igreja. E São João Paulo II, na última parte de sua bela catequese sobre o Amor Humano, mostrou o fundamento antropológico do ensinamento de seu predecessor: principalmente, o ato de contracepção é objetivamente uma mentira dizendo isso com a linguagem do corpo dos esposos. Quais são as conseqüências da rejeição desse ensinamento? A primeira e mais séria conseqüência foi a separação entre sexualidade e procriação. Começou-se com “sexo sem bebês,” e chegou-se a “bebês sem (a intermediação de) sexo”: a separação é completa. A biologia de geração é separada da genealogia da pessoa. Isso leva a “produzir” crianças em laboratório; e à afirmação do (suposto) direito a uma criança. Sem sentido. Não há direito a uma pessoa, mas somente a coisas. Nesse ponto, houve todas as premissas para enobrecer a conduta homossexual, porque não se vê mais sua íntima irracionalidade, e toda a séria e intrínseca desonestidade da união homossexual. E assim chegamos a modificar a definição de casamento porque nós a desenraizamos da biologia da pessoa. Realmente, a Humanae Vitae foi uma grande profecia!

MH: Qual é, em sua essência, o propósito do casamento e da família?
CC: É a legítima união de um único homem e uma única mulher à luz da procriação e da educação das crianças. Se os dois são batizados, essa mesma realidade – não outra – torna-se um símbolo real da união Cristo-Igreja. Isso lhes dá um status na vida pública da Igreja, com um ministério próprio deles: a transmissão da fé às suas crianças.

MH: No contexto da corrente crescente de confusão moral: em que medida o indiferentismo religioso (ex, a afirmação de que se pode ser salvo em qualquer religião) leva ao relativismo moral? Para ser mais específico, se uma religião favorece a poligamia mas é considerada salvífica, não há então a conclusão de que a poligamia não é ilícita, afinal? 
CC: Relativismo é como uma metástase. Se você concorda com seus princípios, cada experiência humana, seja ela pessoal ou social, será ou se tornará corrompida. O ensinamento do Bem-aventurado J. H. Newman tem aqui grande atualidade. Próximo ao fim de sua vida, ele disse que o patógeno que corrompe o senso religioso e a consciência moral é “o princípio liberal,” como ele o chama. Quer dizer, com respeito à adoração que nós devemos a Deus, é irrelevante o que nós pensamos dEle; a crença de que todas as religiões têm o mesmo valor. Newman considera o princípio liberal assim entendido como sendo completamente contrário ao que ele chama “o princípio dogmático,” que é a base da proposição e afirmação cristãs. Do relativismo religioso para o relativismo moral, há só um passo curto. Não há assim nenhum problema no fato de que uma religião justifique a poligamia, e outra a condene. De fato, (para o relativismo) não existe supostamente verdade absoluta sobre o que é bom e o que é mau.

MH: O senhor poderia fazer um comentário sobre a recente observação do Cardeal Christoph Schönborn de que a Amoris Laetitia é doutrina vinculante e que os documentos magisteriais anteriores concernentes ao matrimônio e à família têm agora de ser lidos à luz da Amoris Laetitia?
CC: Eu respondo com duas simples observações. A primeira é: não se deve apenas ler o Magistério anterior sobre o casamento à luz da Amoris laetitia (AL), mas deve-se também ler a Amoris laetitia à luz do Magistério anterior. A lógica da Tradição Viva da Igreja é bipolar: ela tem duas direções, não uma. A segunda parte é mais importante. Em sua [recente] entrevista ao Corriere della Sera, meu caro amigo Cardeal Schönborn não leva em consideração o que aconteceu na Igreja desde a publicação da Amoris Laetitia. Bispos e muitos teólogos fiéis à Igreja e ao Magistério argumentam que, especialmente em um ponto específico – mas muito importante – não há uma continuidade, mas, em vez disso, uma oposição entre AL e o Magistério anterior. Além do mais, esses teólogos e filósofos não dizem isso com um espírito degradante ou revoltante para com o próprio Santo Padre. E nesse ponto, como segue: AL diz que, sob algumas circunstâncias, o intercurso sexual entre os divorciados civilmente recasados é moralmente legítimo. Mais ainda, ela diz que, o que o Segundo Concílio do Vaticano disse sobre os esposos – referente à intimidade sexual – também se aplica a eles (aos divorciados civilmente recasados) (ver nota de rodapé 329). Então: quando se diz que um relacionamento sexual fora do casamento é legítimo, isso é então um clamor contrário à doutrina da Igreja sobre a sexualidade; e quando se diz que o adultério não é um ato intrinsecamente desonesto – e que então deve haver circunstâncias que o tornam não-desonesto – isso, também, é uma afirmação contrária à Tradição e Doutrina da Igreja. Em uma tal situação como esta, o Santo Padre, em minha opinião – e como já escrevi – tem então de esclarecer a matéria. Pois, quando eu digo “S é P,” e então digo “S não é P,” a segunda proposição não é um desenvolvimento da primeira proposição, mas, antes sua negação. Quando alguém diz: a doutrina permanece, mas é somente sobre cuidar de alguns poucos casos, eu respondo: a norma moral “Não cometer adultério” é uma norma negativa absoluta que não permite exceção alguma. Há muitas maneiras de fazer o bem, mas há somente um caminho para não fazer o mal: não fazer o mal.

MH: Qual é a recomendação geral do senhor, como pastor, para nós fiéis leigos, sobre o que nós devemos fazer agora para preservar a Fé Católica íntegra e inteira para elevar nossas crianças para a vida eterna?
CC: Caffarra: Direi a você francamente que não vejo outro lugar fora da família onde a fé que você tem de acreditar e viver pode ser suficientemente transmitida. Além do mais, na Europa durante o colapso do Império Romano e durante as posteriores invasões bárbaras, o que os monastérios Beneditinos então fizeram pode da mesma maneira ser feito agora pelas famílias crentes, no reino atual de um novo barbarismo espiritual-antropológico. E graças a Deus elas [as famílias fiéis] existem e ainda resistem.
Um pequeno poema escrito por Chesterton me leva a essa reflexão; ele o escreveu no começo do século vinte: A Balada do Cavalo Branco. É uma grande meditação poética sobre um fato histórico. Ele teve lugar no ano 878. O Rei da Inglaterra, Alfredo o Grande, já tinha derrotado o Rei da Dinamarca, Guthrum, que primeiro tinha invadido a Inglaterra. E assim veio um momento de paz e serenidade. Mas durante a noite após a vitória, o Rei Alfredo teve uma terrível visão [no Livro VIII: 281-302]: ele vê a Inglaterra invadida por um outro exército, que é descrito como segue: “… Que embora venham com rolo (de papel) e caneta [um estranho exército, é, de fato, aquele que não tem armas, mas caneta e papel – Cardeal Caffarra], E grave como um escriturário barbeado, Por este sinal devereis conhecê-los, Que eles arruínam e fazem treva; Por todos os homens ligados a Nada….  Conheçais o velho bárbaro, O bárbaro vem de novo.”
As famílias que crêem são as verdadeiras fortalezas. E o futuro está nas mãos de Deus.

Fonte:  http://www.onepeterfive.com/cardinal-caffarra-on-marriage-family-amoris-laetitia-confusion-in-the-church/

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